segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Sanma No Aji - O Gosto do Saké (1962)


Durante a primavera-verão em que tive pela Feira da Ladra, (além de muita venda) fiz compras muito boas. Livros, filmes e música recentes e/ou pertinentes a preços únicos. Um desses casos foi mesmo o dvd novo de "Sanma No Aju-O Gosto do Saké- An Autumn Afternoon". 2 euros. Fui adiando o dia em que me poria a ver, finalmente, o dito cujo. Hoje foi o dia. E não devia ter esperado tanto tempo. Agora vou correr atrás do tempo perdido e arranjar o que conseguir da restante filmografia de Ozu.

Sobre o filme em concreto, é simples, pacato e uma boa descrição da sociedade nipónica da época. O guarda-roupa não é tão vistoso como o do Mad Men, mas é um deleite, ainda assim. Fatos no ponto, quimonos curiosos, detalhados.
Depois, sobre os modos japoneses em concreto, é algo estranho ao olhar ocidental (mais caloroso) talvez. A família sob foco é unida, e ama-se. Mas tudo de forma nipónica, ou seja, austera. Nada física. A postura vertical de todos os actores é tão permanente até ao ponto em que é interrompida pelas constantes vénias. Assim, a postura média, no tocante a ângulos, do japonês não rebelde, não deverá estar entre os 90º (postura recta) e os 70º (postura dread ou corcunda), mas entre os 90º e os 20º. Bons dias, boas tardes, boas noites, sim's, claro's, obviamente's. Tudo merece uma vénia. Esperei e desesperei por um aperto de mão, de uma mão nas costas. Não vi. Até que no fim, subtil, lá estava uma mão no deltóide, cheia de amor certamente.

A história é simples. Não tão simples como a do Lynch (e agora decerto pareceu que percebia o mínimo de filmes), mas simples. Um pai de família, viúvo, tem três filhos. Um mais velho, já casado; uma filha que mora consigo e tanta companhia lhe faz, e um último mais jovem e também ainda a viver em casa, embora com uma autonomia diferente da dada à filha. Com o envelhecimento do pai e com as conversas que vai mantendo com os seus amigos (maioritariamente retirados da Segunda Guerra Mundial, como ele), o viúvo Shuhei Hirayama* atravessa o filme de reticente a convencido. De que a sua filha, nos seus 23 ou 24 anos tem de partir, de ter um casamento arranjado, antes que seja demasiado tarde. Também aqui é curioso notar o desenrolar dos acontecimentos: o senhor Hirayama, no início, tem uma postura mais rígida e tradicional. Julga a filha demasiado nova para casar (algo que muda com a convivência com amigos e conhecidos) e que esta deve essencialmente casar com um homem muito decente. O plano sentimental é negligenciado. No fim a prioridade é gostar (mas claro, obedecendo a um mínimo de decência). De mencionar que a ideia de a filha ser demasiado nova para casar serve essencialmente para esconder a solidão a que o viúvo será remetido. A posição altera-se, a tempo de a filha fazer parte de uma (so called) inevitabilidade, e não de uma fatalidade.
Entre muitos shots de saké e vénias, ficamos a conhecer melhor a dinâmica das relações familiares japonesas, com tudo o que isso tem de sobriedade (fora quando há saké na mesa), humildade e muito respeitinho. Recomendo.

* foi o único nome de todas as personagens que apareceu no post porque é a única que está na contra-capa. imdb.(com) as outras

1 comentário:

troNik disse...

Good review. tenho de ver isso !